sábado, 2 de agosto de 2008

Na Estrada ( Private Idaho)

Sempre sei onde estou pela aparência da Estrada. Sei que já estive aqui antes, há não muito tempo, mas também não há tão pouco tempo assim, apenas algum tempo havia passado, lembro dela, sei que já estive aqui, já fiquei preso aqui, uma vez, talvez mais de uma vez, quem sabe duas ou três, não me recordo direito, cabeça confusa, mas me lembro que aqui já estive aqui, nesse lugar, no meio dessa estrada, no meio do nada, entre um caminho para nada e do outro a caminho de nenhum lugar, espero estar me fazendo entender, mas acho que me entende sim, falo o mais claro que consigo, o máximo e polido possível, sem neuras ou confusão que consigo me livrar. Acho que da para entender.
Não existe outra estrada que se pareça com esta. Quer dizer, exatamente como está. Existem varias estradas. Todas com suas peculiaridades, falhas, buracos, bichos mortos e esmigalhados, marcas de pneus derrapados, feiúras, belezas, quer dizer são únicas, e essa estrada em qual me vejo agora tem suas características que a deixam únicas. Quer dizer, exatamente como está estrada que se engrandece diante dos meus olhos, que parece penetrar pelo horizonte, não há nenhuma igual. É um lugar único. Singular. Peculiarmente seu. Meu. Igual a um rosto de alguém. De uma pessoa qualquer. Por mais parecido que seja com o de outra pessoa, uma face é única, e existem coisas que só dela ira ser. Essa estrada parece um rosto arruinado. Arruinado, desgastado, destruído. Pelo tempo, pela solidão, pela vida em si. Mas o rosto apesar de enfeado e cheio de marcas profundas parece amistoso, como o rosto de um idoso, e sem os dentes ele sorri para gente, como se dissesse: bom dia, como você está? Quem bom. A gente se vê por ai.
Não há para onde correr. A estrada não leva a nada, nem a nenhum lugar. Norte ao sul. Leste ao oeste. Leste ao oeste. Sul ao norte. Nada a nada. Lugar sem nada. Lugar nenhum. Nada de especial. Então estou só aqui. Preso. No fim do mundo. No meio do nada. Terra de ninguém, porque não há ninguém.
O vento passa furioso. As nuvens parecem se mover em câmera lenta. O tempo parece estar estático, mas é ilusão. O sol encoberto pelas nuvens fofas que nem algodão doce. A imensidão de um céu azul, azul claro, azul água, que lembra um belo oceano. Lembra palmeiras. Praia. Ilha. Refugio. Paraíso. Descanso. Pura ilusão. Sonho. Não há paraíso para quem vive nas sombras e na sarjeta. Só a uma visão do todo, entorpecidos pela escuridão e a sujeira que nos rodeia. O cheiro de merda acaba enlouquecendo depois de ser inalado por muito tempo. Mas la no fundo ainda vejo aquela mulher passando a mão na minha cabeça, com um ar de maternal, me acariciando e me tomando no colo que nem um bebe, algo que não mais eu sou e ela sussurra: tudo vai ficar bem. Não se preocupe. Tudo vai ficar bem.
E isso. Sou um conhecedor de estradas.
Tenho experimentado estradas, acho que posso assim dizer, por toda minha vida. Esta estrada que nunca acaba. Provavelmente vai pelo mundo afora. Filosófico, eu? Não, eu só ando por ai e sobrevivo como dá. E pela estrada eu vou, entre sonhos e quedas. Despertando sempre aqui...nessa estrada que não vai a lugar nenhum e do outra lado para o nada
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