quinta-feira, 5 de junho de 2008

abra os olhos

Abra os olhos!
Acordei atrasado, como sempre, novidade – mas por que atrasado? Não tenho pra onde ir ou o que fazer. Porque diabos eu estaria atrasado. O sol penetrava pelas frestas da janela. Dia ensolarado. Não tenho porque acordar – cadê a motivação? Sei lá, acho que joguei ontem de noite no vaso, junto com a minha auto estima – mas algo dentro de mim continua a ordenar que eu me levante.
Wake up and smell the coffee...
Minhas costas doem, meu corpo clama por mais descanso. Essa vida nômade está acabando comigo. Ficar dormindo nos sofás dos amigos não é aconselhável. O ministério de saúde adverte: dormir de favor na casa dos outros causa problemas sérios na coluna. Vai completar um mês que não tenho um quarto, casa ou lugar para chamar de meu. Não há lar, doce lar... Não há nada. Porra nenhuma restou. Apenas sofás incômodos, noites mal dormidas e amigos que se mostram prestativos que querem me ajudar, seja por amizade, ou por pena da minha situação desabrigada e desamparada. Mas o que posso fazer, eu escolhi esse caminho. Essa é a vida que eu decidi ter, on the road. Fante no coração, Bukowski no copo, e Kerouac na estrada – acho que li isso em algum lugar, não sei onde, mas gostei dessa frase. A vida a flanar. Sem destino, futuro é uma incógnita. Dinheiro, às vezes, mas tenho o bolso cheio de sonhos. Parece complicada essa vida, não é? Mas quando foi que viver se tornou moleza? Alem do mais eu gosto.
Paola, a amiga que me emprestou temporariamente seu sofá, já foi para seu trabalho. Assessoria de imprensa. Como a maioria das pessoas que eu conheço, ela anda infeliz e desgostosa com sua vida profissional. Talvez frustrada seja a palavra para se melhor definir o que ela sente.
“Ta um saco!” Berra andando de um lado para outro. “ Não agüento mais! A minha chefe é uma anta! Puro estresse! Vou largar tudo amanha mesmo!”
É sempre assim. E ela no fim das contas não sai do trabalho.
Numa dessas noites, ela voltou para a casa, exausta. Olhos pedantes. Deitou a sua cabeça no meu colo. Fiquei acariciando seu cabelo, quase dormindo ela me disse:
- Nunca se prostitua como eu. So to nessa pelo dinheiro. Mas eu detesto tudo. Nunca faça isso.
Não respondi nada. Apenas continuei acariciando a sua cabeça. Ela dormiu. Fiquei lá dando colo à noite toda. Achei que era o mínimo que podia fazer pela hospitalidade.
No dia seguinte quando acordei, ela já tinha ido, mas havia deixado um bilhete:
“Obrigado pelo colo. Estava precisando de carinho. Você é confortável”.
Beijos.
Paola”
A maioria das pessoas que eu conhecia da minha idade, já havia sido contagiada pelo vírus da responsabilidade e pela epidemia da busca incansável pela estabilidade. Paola não gostava, mas o emprego era necessário. O salário. O dinheiro era um mal necessário.
Eu curtia a minha vida irresponsável, sem dinheiro e sem conforto, vagabundeando por ai. Cachorro vira lata. Cão sem dono. E nada mais...
Pego uma boa xícara de café e olho pela janela o Rio sorrindo ensolarado. Deus como eu adoro essa cidade. Amo de paixão.
A rua beirava ao caos, os carros zunindo pelas ruas e pedestres passando, a cavalgada constante para as suas respectivas senzalas de trabalho.
O café estava bem forte. Aos poucos ele ia minando os resquícios do sono que ainda sobravam no meu corpo.
Assim passo os dias, acho que estou começando a cansar dessa vida de vadiagem que levo, talvez eu precise dar um jeito nela, arrumar um emprego, quem sabe um namoro, e ai um apartamento só meu, moveis, uma cortina, quem sabe uma teve bem grande e.... Por que estou mentindo desse jeito tão descarado e patético? Eu não quero, pra que fingir que eu vou fazer algo, mentir pra que? Chega a ser ridículo
Passe bem vida adulta.
Botei minha mochila nas costas, meu boné - inseparável boné - pus os fones no ouvido e fui pra rua. Algum dia eu ia ter uma casa mobiliada cheia de tralhas inúteis e fúteis com nomes pseudo-importantes escritos nelas, nomes de marcas que no fim das contas pouco me importam. Seria gordo, impotente e satisfeito o suficiente para não mudar nada na minha vidinha monótona e sacal. Seria velho e amargurado. Mais cínico e escroto. Teria filhos insuportáveis com uma mulher com o corpo de uma vaca leiteira que só saberia gritar e mandar em mim. Seria infeliz e cheio de contas a pagar. Seria um adulto socialmente aceito pela comunidade e pelo mundo em geral. Teria uma vida. Meu inferninho particular...
Mas ate lá... Eu continuo vagabundeando por ai...

(escrito logo apos assistir "into the wild" e reler pela vigésima vez "on the road")

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